21.5.10

Ajustes estruturais do FMI podem desintegrar a União Européia




Recebido nas bolsas de valores como uma saudável golfada de oxigênio, o compromisso a que chegaram os ministros econômicos da União Europeia (UE) é, ao invés disso, uma verdadeira “catástrofe”, segundo Saskia Sassen.

Para esta estudiosa de origem holandesa, que ensina na Universidade de Columbia e é vista como uma das mais originais intérpretes do processo de globalização, o pacote de “ajuda” acabará alimentando a lógica que causou a crise.

Giulianno Battiston, de Liberazione, entrevistou a autora de Territory, Authority, Rights * [Território, Autoridade, Direitos, sem edição em português] em Bolonha, onde ocorreu a sessão final do Transeuropa Festival, organizado pela associação European Alternatives.

Ela falou sobre a crise atual e os caminhos para superá-la.

P - Qual sua opinião sobre a crise grega e a solução adotada pela União Europeia? Uma resposta necessária ou, ao contrário, um remédio que pode agravar a doença?

R - Trata-se de uma solução financeira para uma crise financeira. Não permitirá sair do cículo vicioso que provocou a crise e, ao contrário, consolida-o.

O pacote adotado apenas prolonga a vida do modelo financeiro. Em cinco anos, nos encontremos na mesma situação. À medida em que se amplia a financerização do sistema econômico – ou em que, como neste caso, se atende suas exigências, as crises tornam-se uma característica sistêmica.

Por isso, penso que o povo grego, que sentiu cheiro de queimado, agiu corretamente, ao se manifestar. A maior parte do dinheiro destinado “à Grécia” não passará por suas mãos, nem provisoriamente.

E não será usado, por exemplo, para criar postos de trabalho. Acabará nos bancos, nas grandes instituições financeiras. O governo grego utilizará os recursos para pedir novos empréstimos.

É uma solução absurda e catastrófica. Revela uma forma extrema de arrogância do poder, além de uma ausência aguda de projetos políticos, por parte dos líderes políticos.

Mais uma vez a Europa, que às vezes se enxerga como possível incubadora de novos paradigmas políticos, parece recorrer a soluções do passado. Decidiu, junto com o FMI, condicionar a ajuda oferecida a países a “ajustes fiscais” extremamente rígidos…

Às vezes, parece que os políticos estão entregues. Que renunciaram ao uso da inteligência para pensar a política e a sociedade. Esta solução é a simples aplicação de um modelo, já adotado nos Estados Unidos de Barack Obama, e que agora pode tornar-se sistêmico.

Também a Europa – que parecia dispor de alicerces mais sólidos, nos confrontos com a lógica financeira, caiu na armadilha do salvamento dos bancos.

Os 27 Estados nacionais da UE decidiram, na verdade, usar instrumentos legais e políticos nacionais para extorquir dos contribuintes recursos para um fundo destinado, principalmente, às grandes instituições financeiras globais.

Num piscar de olhos, tais instituições conseguiram impor à UE, construída a duras penas, peça por peça, durante setenta anos, uma plataforma comum a atingir.

Há muitos anos, quando o neoliberalismo impunha suas regras, eu falava das reestruturações impostas pelo FMI, travestidas de “eficiência”. Agora, percebemos que os “ajustes estruturais”, antes restritos à África, América Latina e países pobres da Ásia, atingem também o Ocidente.

O modelo subentendido neste projeto invadiu também a Europa. Ele destrói as pequenas atividades, empobrece os cidadãos, favorece a desigualdade e produz um “excedente” de população considerada inútil.

Comprometendo, também nos países ocidentais do continente, a capacidade do Estado para promover um desenvolvimento que leve em conta a complexidade social.

Quando escrevermos a história deste período, reconheceremos que se trata de um verdadeiro abuso de poder. Porém, quando se começa a abusar de poder, como demonstram os casos da União Soviética e das ditaduras militares na América Latina, é o começo do fim.

Apesar do “início do fim” e da vulnerabilidade do sistema neoliberal, os movimentos sociais europeus estão paralisados. Alguns parecem em retirada, a esquerda europeia está afônica e não se vêem propostas políticas inovadoras.

Estou convencida de que também a falta de poder, em certas condições, permite “fazer história”. Ela pode tornar-se complexa, quando sentidos políticos antes vistos como estáveis, desestabilizam-se.

Mas como começar? Protestar, dizer ao poder “estamos aqui”, não é mais suficiente. O risco é descair para a dialética hegeliana escravo-senhor, limitando-se a exigir um pouco de poder e liberdade.

A alternativa é “fazer o social”, construir e ressignificar os espaços.
Muitas novidades estão sendo construídas ativamente pelo mundo.
Graças a elas, vai se desenhando uma nova topografia política.

São iniciativas como a economia solidária na América Latina – onde ela já não é uma economia informal, mas um novo uso dos instrumentos econômicos tradicionais, sua reorientação para fins alternativos.

Não se trata de fazer uma revolução socialista, mas de agir, sobretudo onde há estruturas organizativas consolidadas, em planos regional ou local, nas cidades, usando-as para objetivos diversos.

Pode-se fazê-lo descentralizando, distribuindo, reurbanizando, por exemplo. A crise torna as pessoas mais pobres, mas elas, em certos casos, animam-se a desenvolver seus próprios instrumentos de produção.

Pequenos bancos – adaptados necessariamente à dimensão local – podem transformar-se em meios coletivos de produção, mesmo se a propriedade não esteja em sintonia com nossos interesse.

Ou pode-se fazê-lo com a agricultura urbana e regional, com os mercados agrícolas locais, com o trabalho artesanal, com todos os projetos que entram na “economia que tende ao verde”.

Em outros termos, é preciso recuperar a economia parte por parte, re-ancorá-la em nossas necessidades.

Construir, a partir da que há hoje, uma nova, que seja “nossa”, por meio de iniciativas que estão se difundindo e que, mesmo quando parecem incoerentes e sem nexos, desenham uma trajetória precisa.

Não é preciso esperar a emergência de um grande ideal.

Podemos começar modificando as necessidades quotidianas, reorganizando o espaço e a seu significado.

Partir das bases que temos à disposição, sem nos iludirmos com a hipótese de destruir tudo e começar de novo.

É como ocorre um algumas fábricas argentinas ocupadas: espaços totalmente modificados, graças a práticas materiais muito elementares. E, por meio destas práticas, pode-se ressignificar os espaços e dar vida a novas temporalidades, alternativas às do poder.

* Saskia Sassen - Territory, Authority, Rights: From Medieval to Global Assemblages (Princeton: Princeton University Press, May 2006)

Tradução: Outras Palavras
Copyleft - 7/05/210

20.5.10

Os planos dos EUA para a III Guerra Mundial


Há mais guerra no futuro dos EUA – muito mais,
a julgar pelos relatórios, pronunciamentos e
ações do governo Obama nesses últimos meses.

Esses documentos incluem o Relatório de Revisão Quadrianual da Defesa [Quadrennial Defense Review (QDR)], a Revisão da Postura Nuclear [Nuclear Posture Review (NPR-2010)], o Relatório da Defesa de Mísseis Balísticos [Ballistic Missile Defense Report], o encontro de segurança nuclear em New York e a conferência da ONU, de 3 a 28 de maio, de revisão do Tratado de Não-proliferação Nuclear, além, claro, das guerras em curso no Oriente Médio e na Ásia Central, e das exigências do orçamento de guerra do Pentágono.

Por Jack A. Smith *

O governo dos EUA comanda um colosso militar sem par, mas a [QDR], publicada em fevereiro, sugere que Washington entende que os EUA estejam constantemente sob ameaça de ataque por inúmeras forças terríveis, decididas a destruí-los.

Por isso, mais trilhões de dólares têm de ser consumidos em guerras presentes e futuras – ostensivamente para salvaguardar a pátria amada ameaçada.

A Revisão da Postura Nuclear (NPR-2010) diz que o objetivo de longo prazo é um mundo “livre de bombas nucleares”, mas, apesar de reduções simbólicas dos arsenais desse tipo de armas, o Pentágono só faz ampliar sua capacidade nuclear, temperando a ampliação com uma devastadora “contenção convencional” capaz de atacar vários alvos pelo mundo, no período de uma hora.

Além disso, esse documento, publicado em abril, preserva a prontidão para disparar ataque nuclear imediato [ing.“ ‘hair-trigger’ nuclear launch readiness”], não limita a força nuclear à função de contenção, sugere uso ofensivo e, pela primeira vez, autoriza ataque nuclear, se necessário, contra Estado não-nuclear (o Irã).

Entre um e outro documento, Obama expande vigorosamente as guerras que herdou do governo de George W. Bush, ampliando e operando o maior poder militar que os EUA jamais tiveram.

Feito a elogiar do governo Obama foi ter assinado, dia 9 de abril, em Praga, novo Tratado Estratégico de Redução de Armas Nucleares com a Rússia, que reduz em 1.500 o arsenal de ogivas nucleares de cada lado.
Foi passo positivo, mas todos sabem que excessivamente tímido, e nem de longe reduz efetivamente o risco de guerra nuclear.

A Revisão Quadrianual da Defesa (QDR) é relatório de 128 páginas que o Departamento de Defesa envia ao Congresso a cada quatro anos, com uma projeção do planejamento militar dos EUA para os 20 anos seguintes.

Comissão de 20 membros civis, selecionados pelo Pentágono e pelo Congresso, analisam o documento e sugerem alterações, para acrescentar uma perspectiva dita “independente”. 11 dos 20 membros ‘independentes’, inclusive o co-presidente dessa comissão – ex-secretário da Defesa William Perry; e o ex-conselheiro de segurança nacional Stephen Hadley – são empregados da indústria da Defesa.

Embora o Pentágono trabalhe nos preparativos de
uma possível III Guerra Mundial e novo pós-guerra, o relatório
que está sendo apresentado concentra-se no futuro relativamente
mais próximo, e só acrescenta rápidas generalizações
sobre o futuro de longo prazo.

Três das prioridades do QDR merecem comentário extra.
A primeira dessas prioridades é “vencer as guerras em andamento” [orig. “prevail in today's wars”] no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Iêmen e onde mais houver intrusão militar da Washington pós-11/9 nos anos vindouros.

Na apresentação da Revisão Quadrianual, dia 1/2/2010, o secretário de Defesa de Bush-Obama Robert Gates fez declaração importante:

“O sucessos nas guerras futuras dependerá do sucesso nas guerras em andamento.” As “guerras futuras” não foram identificadas. Além disso, a Revisão Quadrianual declara que a vitória militar no Iraque e no Afeganistão “é apenas o primeiro passo rumo a nossos objetivos estratégicos”.

Segundo, enquanto no passado os EUA concentraram-se em construir capacidade para combater duas grandes guerra simultâneas, a Revisão Quadrianual sugere que não basta isso.

Hoje, o governo Obama afirma “a necessidade de força robusta, capaz de proteger os interesses dos EUA contra uma multiplicidade de ameaças, inclusive as que advenham de sofrer ataque simultâneo por dois Estados-nação”.

Hoje se trata de mais de duas guerras – sendo o “a mais”, a obrigação de “lutar de contrainsurgência em larga escala, [montar e operar] operações de estabilização e contraterrorismo em ampla variedade de ambientes”, sobretudo em países pequenos e pobres como o Afeganistão.

Outros alvos “a mais” incluem “atores não estatais”, como a al-Qaeda; “Estados fracassados”, como a Somália; e Estados de tamanho médio mas bem defendidos, que não se curvem ao Tio Sam, como o Irã e a República Popular Democrática da Coreia ou, algum dia, talvez, a Venezuela.

Terceiro, é absolutamente evidente, na Revisão Quadrianual, embora não assumidamente reconhecido, que o governo Obama crê que China e Rússia sejam os dois possíveis “Estados-nação” contra os quais Washington deve preparar-se para defender-se.

Nem Pequim nem Moscou têm qualquer iniciativa que justifique o pressuposto do Pentágono de que seriam suficientemente suicidários a ponto de atacar os poderosos EUA.

Afinal, os EUA, com 4,54% da população mundial, investe mais na preparação para a guerra que todo o resto do mundo somado.

O orçamento de Obama em 2010 para o Pentágono é de US$680 bilhões, mas o total real alcança o dobro disso, se se consideram que os gastos de Washington em segurança nacional e gastos de outros departamentos devem ser somados, como o custo da manutenção e armazenamento das armas nucleares, as 16 agências de segurança, a Segurança Nacional e lucros das dívidas de guerra, dentre outros programas.

Gastos anuais relacionados à guerra alcançam facilmente o trilhão de dólares. Ao falar de um congelamento seletivo de programas nacionais, em janeiro, no discurso “State of the Union”, Obama especificamente excluiu do congelamento os gastos do Pentágono/segurança nacional.

Obama é gastador pródigo em guerras. A atribuição de $708 bilhões que fez ao Pentágono, para o ano fiscal 2011 (sem contar os $33 bilhões que esperam aprovação no Congresso para o “surge” afegão) excede o mais alto orçamento de Bush, de $651 bilhões, para o ano fiscal de 2009.

Hoje, o poder militar dos EUA está presente em todo o planeta. Como se lê na Revisão Quadrianual:

“Os EUA são potência global, com responsabilidades globais.
Incluindo operações no Afeganistão e no Iraque,
cerca de 400 mil soldados e pessoal militar em geral
estão estacionados ou na alocação militar rotativa, em todo o mundo.

O Pentágono comanda mais de mil bases militares em todo o mundo

(inclusive nas zonas de guerra), grandes frotas em todos os oceanos,
força aérea em expansão, satélites militares no espaço e
mísseis nucleares em prontidão e alerta totais, pré-direcionados
para “o inimigo” ou para cidades e instalações militares
potencialmente “inimigas”.

Leitura da Revisão Quadrianual mostra que nada disso será modificado, senão da direção da modernização e da ampliação (o Pentágono acaba de ocupar seis novas bases na Colômbia) e do acréscimo de novos sistemas, como o Prompt Global Strike, importante sistema de armas ofensivas, que discutiremos adiante.

A expressão “dominação militar de pleno espectro” [orig. "full spectrum military dominance"] – que os neoconservadores cunharam nos anos 90 e foi adotada pelo governo Bush para definir sua estratégia militar agressiva – não foi incluída, espertamente, na Revisão Quadrianual de 2010, mas conservar e aumentar sua capacidade de dominação militar plena continuam a ser a principal preocupação do Pentágono.

A Revisão Quadrianual vem apimentada com expressões como “os interesses dos EUA e seu papel no mundo exigem forças armadas com capacidades superiores a tudo que se conhece” e proclama a importância do “domínio continuado pelas Forças Armadas dos EUA, nas guerras de larga escala de exército contra exército”.

Gates foi ainda mais longe, na conferência de imprensa dia 1/2/2010: “Os EUA precisam ter amplo portfólio de capacidades militares, com versatilidade máxima no espectro mais amplo possível de conflitos”.

Recentemente, Obama pavoneou-se
de comandar “os mais poderosos
exércitos da história do mundo”.

Evidentemente o Pentágono planeja engajar-se em várias guerras futuras, interrompidas por rápidos períodos de paz, durante os quais se preparará para a guerra seguinte.

Dado que a única entidade que já manifestou claro interesse em atacar os EUA é a al-Qaeda – organização paramilitar de fanáticos religiosos extremistas, com cerca de mil membros ativos e aproveitáveis em todo o mundo – é evidentemente claro que o poderio militar sem precedentes que os EUA acumulam hoje visa a outro objetivo.

Na minha opinião, esse “outro objetivo” é geopolítico – aumentar o poderio militar do Pentágono para assegurar que os EUA consigam tentar manter a posição hegemônica global de dominação, em tempos de endividamento pesado, erosão severa de sua base econômica, impasse quase absoluto na política doméstica e aparição, no cenário global, de outras nações e blocos interessados em contestar a hegemonia dos EUA.

A Revisão Quadrianual toca nesse ponto sensível com admirável delicadeza:

“A distribuição global do poder político, econômico e militar está em transformação, tornando-se mais difusa. O aparecimento da China no quadro global, o país mais populoso do mundo; da Índia, a maior democracia do mundo, continuarão a reformatar o sistema internacional.

Embora os EUA continuem como ator mais poderoso, é indispensável que cada vez mais cooperem com seus aliados e parceiros-chave para manter a paz e a segurança.

O modo como os poderes hoje emergentes integrar-se-ão ao sistema global é questão das que definirão esse século e que portanto são centrais para os interesses dos EUA”.

No presente momento, a Revisão Quadrianual indica que Washington está preocupada com estratégias estrangeiras “antiacesso” que limitam o “poder [dos EUA] para projetar capacidades” em várias partes do mundo.

Isso significa que alguns países, como China e Rússia estão
desenvolvendo novas armas sofisticadas que equivalem ao
armamento dos EUA, o que “limita” o deslocamento das forças
dos EUA para onde o Pentágono bem entenda.

Por exemplo:

A China está desenvolvendo e instalando em campo grande número de mísseis balísticos e cruzadores avançados de médio alcance, novos submarinos de ataque equipados com armas avançadas, sistemas de defesa antiaérea de longo alcance cada vez mais efetivos, capacidades para guerra eletrônica e redes de computadores, aviação de ataque sofisticada e sistemas espaciais de defesa.

A China tem divulgado informação limitada sobre o ritmo, o escopo e os objetivos estratégicos de seus programas de modernização militar, o que faz aumentar o número de interrogações legítimas quanto a suas intenções de longo prazo.

Para contrabalançar esse movimento dos chineses – e não só deles –, o Pentágono planeja, com custos astronômicos e não divulgados, os seguintes avanços:

“Expandir as capacidades de ataque a longa distância; explorar as vantagens das operações subterrâneas; garantir acesso ao espaço e ao uso de recursos espaciais; aumentar a robustez de capacidades-chave de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento [orig. ISR, Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance]; derrotar sistemas inimigos de sensores e engajamento; aumentar a presença e a prontidão para responder, das forças dos EUA, em todo o mundo.”

Além disso, os EUA não só mantêm a China na mira de seus mísseis e bombas; estão também cercando o país (e também a Rússia, é claro) com balística antimísseis. O objetivo é evidente: no caso de os EUA acharem “necessário” lançar mísseis contra a China, o sistema antimísseis lá estará para destruir a capacidade limitada de retaliação dos chineses.

Matéria publicada dia 22/2/2010 no China Daily, diário chinês editado em inglês:

“Washington parece determinada a cercar a China com sistemas balísticos antimísseis produzidos nos EUA, observaram hoje especialistas chineses (…). Para o coronel Dai Xu da Força Aérea, renomado estrategista militar, em artigo distribuído esse mês, “a China está sob cercamento em formato de meia-lua. O anel começa no Japão, estende-se pelas nações do sul do Mar da China até a Índia e termina no Afeganistão”.

Em comparação com a Revisão Quadrienal do governo Bush em 2006, no documento de 2010 constata-se que houve esforço consciente para baixar o tom da retórica anti-China.

Mas é absolutamente evidente que a China é a referência número um, nos pontos em que a Revisão Quadrienal de 2010 fala de “Estados-nação potencialmente hostis”.

Para a revista Defense News, de 18/2/2010, publicação dirigida ao complexo industrial-militar, “Dizem os analistas que a Revisão Quadrianual da Defesa visa a enfrentar o problema chinês, sem enfurecer ainda mais Pequim.

Se se considera a lista de novas ampliações e reforços nas forças e capacidades dos EUA (…), vê-se que são forças e capacidades necessárias para derrotar a China, não o Irã nem a Coreia do Norte nem o Hizbollah – disse Roger Cliff, especialista em questões militares chinesas da Rand Institution.

‘Assim, embora pouco se cite a China (…), é a ameaça chinesa, sim, que inspira muitos dos programas de modernização descritos na Revisão Quadrianual da Defesa de 2010’.”

Incidentalmente, segundo o Center for Arms Control and Non-Proliferation, o orçamento chinês de defesa para esse ano, para país quatro vezes maior que os EUA, é de $78 bilhões, bem inferior aos $664 bilhões reservados para o Pentágono (sem contar todos os extras para segurança nacional, espalhados nos orçamentos de outros departamentos).

A China possui entre 100 e 200 ogivas nucleares; os EUA, 9.326 (se se somam as ogivas montadas em mísseis e as estocadas). A China considera a construção de um porta-aviões; os EUA mantêm 11 em atividade.

E a China não tem base militar fora do território chinês.
Tudo faz crer que a China esteja construindo instrumentos, sistemas e armas de defesa, não de ataque contra os EUA.

E a política exterior chinesa baseia-se a não se deixar prender no corner, pelos EUA, fazendo todo o possível para evitar confrontação mais séria.

Também a Rússia recebe melhor tratamento na nova Revisão Quadrianual da Defesa, que na de 2006, mas aparece incluída ao lado da China em vários casos. Apesar do imenso poder de contenção de Moscou, e das reservas abundantes de petróleo e gás, a Rússia aparece sempre como “inimigo potencial” número dois, entre as grandes potências.

Washington sente-se mais ameaçada por Pequim. Isso, em larga medida, por causa das dimensões territoriais da China, do rápido desenvolvimento, do sucesso da economia capitalista guiada pelo Estado dirigido pelo Partido Comunista; e pelo fato de que, ao ritmo em que vamos hoje, a China ultrapassará os EUA como principal potência econômica do mundo, nos próximos de 20 a 40 anos.

Parece já bem evidente, por menos que se fale sobre isso, que essa situação é extremamente perigosa. A China não dá qualquer sinal de que aspire a dominar o mundo, mas tampouco se deixará dominar.

Pequim trabalha sob o conceito de ordem mundial multipolar, no qual vários países e blocos atuam em diferentes papéis. Pode-se discutir, no máximo, quem será o primeiro entre iguais.

Washington prefere a situação que existe nos últimos 20 anos posteriores à implosão da URSS, quando os EUA ficaram com a posição de única superpotência militar remanescente e líder do bloco capitalista expandido. Nesse período, Washington operou como potência hegemônica em mundo unipolar, e não quer perder esse título.

Tudo isso parece estar mudando hoje, com a emergência de outros países, o principal deles a própria China; e os EUA dão sinais de entrar em declínio gradual.

O modo como for encaminhada a transição na direção da multipolaridade nas próximas duas, três décadas, determinará se se evitará, ou não, mais uma guerra desastrosa. [Continua]

* Jack A. Smith é editor do Hudson Valley Activist Newsletter no estado de NY e ex-editor do Guardian Newsweekly (US).
Tradução: Caia Fittipaldi
Pesquisa, copy e edição - Flavio Deckes, com Outras Palavras

17.5.10

O Neoliberalismo Selvagem e seus riscos


Entrevista com Noam Chomsky


Nos encontramos con Noam Chomsky, que ha estado dando una serie de conferencias en el Left Forum con el significativo título de “El centro no puede gobernar” y con ocasión de la aparición en los EEUU de su último libro (Hopes&Prospects), publicado por la editorial Haymarket.

En el ensayo analiza, junto a “las esperanzas y las perspectivas”, los peligros y las posibilidades todavía abiertas de nuestro siglo XXI, el hiato creciente entre Norte y Sur, los mitos y las ilusiones del excepcionalismo norteamericano, incluida la presidencia de Obama, los fiascos de las guerras en Irak y Afganistán, el asalto israelita-norteamericano a Gaza, la nueva división internacional del terror nuclear y la naturaleza de los recientes rescates bancarios.

“La situación que vivimos en los EEUU de hoy da miedo. El nivel de rabia, frustración y disgusto contra las instituciones ha alcanzado cota impresionantes, sin que se vea posibilidad de organizar esa rabia de manera constructiva. Los parecidos con la República de Weimar después de 1925 son asombrosas y extremadamente peligrosas”.

Con esas graves consideraciones de Chomsky abrimos la entrevista.
Noam Chomsky, que acaba de cumplir 81 años, es el intelectual vivo más citado y figura emblemática de la resistencia antiimperialista mundial.
Por Patricia Lombroso, Il Manifesto

P - ¿Qué paralelos económicos y sociales se dan entre la realidad norteamericana actual y el período de la República de Weimar luego de 1925, que despejó el camino a Hitler?

R - El apoyo de base de la parte de la población alemana que abrazó la subida al poder de Hitler estaba constituida esencialmente por la pequeña burguesía y la gran industria que se sirvió del nazismo como arma política para la destrucción de la clase obrera en Alemania. La coalición de gobierno se formó mucho antes de la Gran Depresión de 1929.

Con las elecciones de 1925, la Alemania de Hindenburg –y la coalición gubernamental formada — era sociológicamente y casi demográficamente muy semejante a la que apoyó el ascenso al poder en 1933 de un personaje tan oscuro como Hitler.

Pero ya a fines de los años veinte se extendía por Alemania ese malestar original compuesto de desilusiones y de resentimiento contra el sistema parlamentario.

Se presta menos atención a un factor de gran importancia, y es que el nazismo, además de la destrucción de comunistas y socialdemócratas, triunfó también en su propósito de destruir a los partidos de poder tradicionales, conservadores y liberales, que se hallaban ya en franco declive durante la República de Weimar de los años veinte.

Esa es la impresionante analogía histórica con lo que ahora mismo está madurando en los EEUU. Los últimos sondeos de la opinión pública muestran que el asentimiento de la población a la forma de ser gobernada por demócratas y republicanos ha descendido al 20%.

El odio al Congreso y a la dirección seguida por el gobierno de la nación supera el 85%. Como en el período weimariano de Alemania, la población norteamericana está disgustada por el pasteleo entre los dos grandes partidos para salvaguardar sus propios intereses.

La difusa mentalidad que cada vez gana más adeptos entre la clase media norteamericana es la de que los miembros del Congreso deben ser combatidos como “gánsteres” y eliminados.

La composición demográfica de quienes abrazan esas ideas está formada por blancos de la América profunda, personas sin una particular identidad y, sobre todo, sin otras perspectivas políticas que las expresables en clave antigubernamental.

Esos grupos, como famoso Tea party, y otras franjas nacidas del vacío de dirección política, han sido movilizadas e instrumentalizadas por la extrema derecha, con riesgos muy serios.

Las clases industriales norteamericanas se sirven de lo que constituyen inquietudes económicas y sociales legítimas de la pequeña burguesía, a fin de criminalizar a la inmigración, y eso al tiempo que utiliza el excedente de población predominantemente afroamericana que llena las cárceles como un nuevo recuso de mano de obra de ínfimo precio en las cárceles de los estados o en las privatizadas.

P - ¿Por qué utiliza usted el paralelo con la Alemania de Weimar, en particular, para lo que está ocurriendo en los EEUU, y no en otros sitios, como Europa, en donde los principios del neoliberalismo conservador se han visto también ampliamente realizados?

R - Porque Europa ha conseguido mantener todavía con vida una estructura socialdemócrata. Subrayo también que sólo América Latina, y ya desde hace una década, ha rechazado el modelo ideado en Washington.

Aquí, en los EEUU, las consecuencias de los principios del neoliberalismo salvaje están experimentando –insisto en ello— una visible quiebra.

El capitalismo ha fracasado,
pero el desastre irreparable lo paga
esencialmente la mayoría de la población.

Aquí, los proyectos granempresariales en colusión con el gobierno han logrado marginar socialmente a comunidades enteras que se hallan ahora en desbandada, con el único propósito de llevar a cabo la financiarización social y económica de los “ejecutivos” de los sistemas bancarios.

Al propio tiempo, la clase emprendedora norteamericana utiliza la rabia y el disgusto de la mayoría de la población para fomentar el odio antigubernamental, aun a sabiendas del riesgo que eso trae consigo de un triunfo electoral de la extrema derecha del partido republicano.

La situación es preocupante. Porque el daño irreparable provocado por el liberalismo conservador ha provocado el resultado de un déficit público absorbido por China y Japón.

Ahora mismo, la mitad del déficit público norteamericano se debe al presupuesto de Defensa. En el contexto global, equivale al total de todos los presupuestos de Defensa del mundo entero.

La otra mitad del déficit público ha sido originada por la explosión de los gastos sanitarios dimanantes de las ineficiencias de un sistema de salud absolutamente privatizado.

P - Pero ahora se acaba de aprobar la reforma sanitaria promovida por Obama...

R - La reforma sanitaria de Obama aprobada por los demócratas no es un cambio profundo del sistema sanitario norteamericano; la industria privada de la sanidad la vive, al fin y al cabo, como una victoria política.
Y en el fondo del escenario, la realidad sigue siendo harto dramática, porque la desocupación sigue avanzando y la recuperación económica no termina de llegar.


* Noam Chomski es profesor emérito de lingüística en el Instituto de Tecnología de Massachussets en Cambridge.

14.5.10

Capitalismo de Desastre

O capitalismo de desastre não é um novo
tipo de capitalismo, um novo sistema,
"mas é um sistema aperfeiço-
ado”, explica
Vânia Cury, professora de História da UFF, comentando um livro recente de Naomi Klein.

Criado pela jornalista e ativista canadense Naomi Klein, o conceito de capitalismo de desastre revê questões relacionadas à

obtenção de lucro em meio à calamidade.

Segundo a professora do Instituto de
Economia da Universidade Federal Fluminense, Vânia Cury, “essa exploração das situações de crise afetam as coletividades humanas, nos paralisa diante do medo, e nos torna impotentes diante da realidade”.

Em conversa, por telefone, com a IHU On-Line *, Vânia analisa o recente livro de Naomi Klein A doutrina do choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre e reflete sobre situações de conflito que permeiam a atualidade.

Segundo a professora, as pessoas já estão prontas para mudar em relação à situação do capitalismo atual e têm muita vontade de fazer isso.

“A grande contribuição do livro de Naomi Klein, a meu ver, é exatamente essa. Embora ela faça um relato que pode nos parecer extremamente pessimista, dadas as condições que ela analisa o desenvolvimento do capitalismo, mostra também que há diversas formas de reação se esboçando no mundo.

Elas são muito fragmentadas, estão desconectadas e espalhadas, mas há sim algumas iniciativas que vão sendo feitas no sentido de reunir essas forças e dar a elas uma consistência mais forte e mais integrada”, diz.

Vânia Maria Cury possui graduação em História pela Universidade Federal Fluminense, mestrado e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Para começar, a senhora pode nos explicar qual a ideia do termo “Capitalismo de desastre”?

Vânia Cury – O termo foi cunhado pela jornalista Naomi Klein, que desenvolve uma análise muito profunda e bem detalhada no livro “A doutrina do choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre”, publicado recentemente.

Ela mostra que, na fase atual em que o capitalismo se encontra, o que acontece é uma exploração das situações de crise, de calamidade pública e de desastre, que ameaçam e afetam coletividades humanas para que o capital tire proveito do medo, que toma conta das pessoas e grupos sociais, para obter lucros cada vez maiores.

Um dos exemplos que Naomi usa é o tsunami, que arrasou uma parte significativa das praias do sudeste asiático. O que se viu foi que a recuperação daquelas regiões afetadas pela onda foi totalmente determinada pelos interesses lucrativos dos grandes grupos econômicos que ali se instalaram imediatamente após a catástrofe.

Eles vêm para reconstruir e reorganizar tudo o que foi destruído. Neste caso, foi um desastre natural, mas Naomi trata também de desastres provocados pelo homem, como guerras, conflitos e rebeliões.

Outro exemplo que ela usa e trata detalhadamente é o furacão Katrina, nos Estados Unidos, que também provocou uma desorganização muito grave na cidade de Nova Orleans, afetando sobretudo os bairros de população negra e pobre.

Lá, também, da mesma forma que em outras oportunidades analisadas em seu livro, a recuperação é pautada pelos interesses lucrativos daqueles que irão explorar novas condições originadas pelo desastre.

O Katrina fez com que grande parte dos terrenos que foram afetados acabasse resultando na expulsão da população que lá morava originalmente. Essas áreas foram reformuladas com a sua conveniente transformação em bairros de classe média, que foram programados e reconstruídos segundo os interesses do capital imobiliário local e que trouxeram lucros espetaculares.

IHU On-Line – Isso aconteceu também em países como o Haiti, que viveu intervenções de diversos países em função dos terremotos de janeiro deste ano?

Vânia Cury – Naomi Klein não aborda o caso do Haiti em seu livro, mas aborda em seu site, onde mantém atualizadas todas as suas opiniões, pesquisas, entrevistas e trabalhos.

Naomi é uma ativista política e uma intelectual incansável. E faz este paralelo com o terremoto no Haiti.

Ela considera não o desastre em si como uma manifestação do desejo do grande capital nas suas mais variadas formas, mas mostra que a recuperação, mais uma vez no caso do Haiti, terá, na sua dianteira, interesses econômicos solidamente organizados que irão determinar a maneira pela qual essa recuperação vai se dar, trazendo para eles lucros fabulosos.

Isso tudo sempre em detrimento dos reais interesses da população que vivia no local afetado pelo desastre.

A mesma coisa Naomi faz com relação às grandes áreas litorâneas do sudeste asiático. Estas tinham uma ocupação circular de pequenas comunidades de pescadores artesanais, com famílias muito pobres e que subsistiam de pequenas atividades e foram subitamente deslocadas do seu habitat natural.

Esse habitat foi transformado em reservas para a construção de grandes resorts, clubes e parques temáticos, que trarão lucros fabulosos para os investidores da área de turismo e imobiliário.

Essas populações perdem completamente seu meio de vida tradicional e são jogadas novamente nas periferias das grandes cidades. São, mais uma vez, expropriadas das suas condições de vida bastante antigas.

IHU On-Line – O Brasil vive ou já viveu dentro dessa ideia de capitalismo de desastre?

Vânia Cury – Seguindo a linha de análise de Naomi Klein, sim.

Ela analisa todo o período de ditaduras militares na América Latina como uma das estratégias mais clássicas e passíveis de serem estudadas da doutrina do choque, do capitalismo de desastre.

Neste caso, não é o desastre natural, mas o desastre causado política e militarmente, mas pode ser uma guerra, tal qual aconteceu no Iraque.

Ela passa boa parte do livro mostrando como a guerra também facilita o controle, pelo grande capital, de áreas que até então ele não controlava.

No caso das ditaduras latino-americanas, aconteceu a mesma coisa. Aquela situação de choque, de medo coletivo e social imposto pela força militar, repressão, prisão, tortura e exílio, enfraquece a resistência da população e facilita, portanto, que o capital assuma o controle de uma série de atividades e situações que até então não controlava, muitas vezes, por força da resistência popular.

IHU On-Line – Naomi vê bastante a questão dos Estados Unidos. Podemos dizer que o ápice desta ideia de “Capitalismo de desastre” vem do governo Bush?

Vânia Cury – Não há dúvida nenhuma de que o governo Bush é o ápice de uma situação que, no entanto, ele não criou.

Ele apenas se aproveita, recrudesce, leva a extremos essa condição de doutrina do choque, tanto internamente, quando ele, em nome das leis de segurança nacional da preservação dos direitos dos EUA,
que foram agredidos pelo 11 de setembro, usa esse ataque terrorista para desencadear uma reação violenta e de repressão aos direitos sociais, de organização e liberdade, que a população americana sempre valorizou muito em sua história.

Essa era a imagem que eles vendiam para o mundo, de um país democrático e radicalmente livre, onde ditaduras não floresceram, regimes de exceção nunca tiveram lugar.

No entanto, a partir de 11 de setembro de 2001, todas essas virtudes do regime democrático norte-americano foram colocadas em cheque pelo advento de uma nova doutrina de segurança nacional, que colocava a proteção ao Estado acima de todas as formas de proteção e liberdade do indivíduo.

Isso é algo novo na história dos EUA. Se pegarmos os dois séculos que o país tem de história da construção de uma cultura democrática, o paradigma do que é um Estado de direito no ocidente, essas situações de exceção criadas por Bush realmente tiveram um impacto extraordinário na história recente do país.

IHU On-Line – No caso de Santa Catarina, depois das chuvas e do próprio ciclone Catarina, bilhões de reais saíram dos cofres públicos e se somaram com as doações de solidariedade popular foram investidos na reconstrução da infraestrutura da cidade. Este é um exemplo de “Capitalismo de desastre”?

Vânia Cury – Sim, e esta é mais uma manifestação da doutrina do choque. Diante do choque, da calamidade e do desnorteamento que abala todos os seres humanos, essas empresas e os interesses capitalistas rapidamente assumem o controle e passam a tirar todas as vantagens daquela situação.

Se pararmos para pensar, lembraremos, na nossa história, várias situações em que esse fenômeno está acontecendo, tanto no Brasil como fora dele.

IHU On-Line – Como a questão da sociedade do medo vai ao encontro da ideia de capitalismo de desastre?

Vânia Cury – Naomi Klein considera que essas questões andam juntas, porque ao incutir o medo nas pessoas, e esse medo é muito maior quando assume uma proporção coletiva, ele pode ser muito vantajoso para os interesses particulares, seja de uma empresa ou indivíduo.

Sabemos que os ditadores, que atuaram amedrontando as pessoas, tiraram grandes proveitos dessa situação.

O medo é uma forma de paralisação, e a paralisia nos deixa impotentes diante da realidade. Não conseguimos reagir, e quando isso acontece abrimos o campo para que aquele que consegue reagir ocupe todos os espaços.

Essas duas questões não andam separadas, por isso Naomi diz que há todo um trabalho ideológico permanente sendo colocado para as pessoas.

Ela usa o exemplo das gripes e o medo que as pessoas ficam de contrair uma doença. Voltamos a uma época de epidemias assustadoras, que matam em massa.

Naomi afirma que isso tudo vai deixando as pessoas extremamente vulneráveis e, ao se tornarem assim, abrem o flanco para que os altos interesses capitalistas envolvidos assumam o controle da situação.

IHU On-Line – Depois da crise financeira, muito se falou em crise do capitalismo. O capitalismo de desastre é um novo capitalismo, em sua opinião?

Vânia Cury – Na verdade o capitalismo de desastre faz parte da crise. Não acredito que exista um novo capitalismo, o capitalismo é o mesmo. Ele vai amadurecendo, avançando sobre áreas que antes não controlava.

ste não é um novo sistema, é um sistema aperfeiçoado. O capitalismo de desastre é uma resposta à crise. Ele começou a viver, nos anos 90, o excesso de neoliberalismo e de desregulamentação, que acabou gerando uma crise de proporções extraordinárias.

Quando se chega a uma situação de impasse, a saída é não reformar o capitalismo, não fazê-lo retroceder aos limites antigos, fazer com que ele seja controlado pelo Estado, regido pelos interesses sociais.

Isso não aconteceu, o que houve diante da crise que se colocou pelo excesso de desregulamentação do capital foi reforçar essa desregulamentação, usando a doutrina do choque.

Este é um instrumento para a exacerbação e aprofundamento da lógica perversa do desenvolvimento capitalista, tal qual vínhamos vivendo desde os anos 80.

IHU On-Line – Em relação à ideia de crise do capitalismo, podemos dizer que as crises sociais facilitam a adoção de medidas econômicas impopulares? A senhora pode nos dar exemplos disso?

Vânia Cury – Com certeza. A crise pensada nesse sentido, não uma crise social, mas uma crise de desastre, como coloca Naomi Klein, seja um desastre natural, manifestações brutas da natureza que o homem não consegue controlar, ou provocado, como rebeliões, golpes de Estado e guerras, como vimos no Afeganistão e no Oriente Médio.

Nestas situações, temos a repetição do padrão, diante da instabilidade causada pelo evento, seja natural ou provocado, o capitalismo redobra seu esforço para ampliar o controle que exerce sobre aquela sociedade.

O remédio que é dado pelo sistema dominante aos sintomas da crise é sempre mais do mesmo. Ao invés de tentar dar outra solução, criar uma contrapartida ao modelo que está sendo implementado, o que se faz é aumentar o grau de vulnerabilidade da sociedade para impor medidas mais duras daquele mesmo remédio que já se tomava anteriormente.

IHU On-Line – Então, hoje as catástrofes naturais são “desculpas” para impor um reordenamento a partir da violência do Estado?

Vânia Cury – Desculpas não, são oportunidades primorosas enxergadas por esses grupos capitalistas dominantes altamente relacionados dentro dos Estados modernos.

Naomi mostra isso com clareza nos Estados Unidos. Lá se tem o complexo industrial militar, a indústria petrolífera e de guerra, que hoje são forças fantásticas dentro do Estado americano, que conduzem e controlam grande parte da política dos EUA.

Eles se relacionam com o mundo, baseados, fundamentalmente, na expansão dos interesses desses grandes grupos econômicos.

IHU On-Line – A senhora acha que as pessoas estão prontas para lutar por mudanças em relação à situação do capitalismo atual?

Vânia Cury – Acho que as pessoas têm muita vontade de fazer isso. A grande contribuição do livro de Naomi Klein, a meu ver, é exatamente essa.

Embora ela faça um relato que pode nos parecer extremamente pessimista, dadas as condições que ela analisa o desenvolvimento do capitalismo, mas mostra também que há diversas formas de reação se esboçando no mundo.

Elas são variadas, infelizmente não temos hoje, na visão dela, um elemento que seja capaz de reunir todos esses esforços. Eles são muito fragmentados, estão desconectados e espalhados pelo mundo, mas há sim algumas iniciativas que vão sendo feitas no sentido de reunir essas forças e dar a elas uma consistência mais forte e mais integrada.

Um dos veículos de instrumento para isso tem sido o Fórum Social Mundial, um espaço de debate, discussão, para onde são levadas essas demandas sociais. Há outros movimentos, como a Via Campesina, por exemplo, e o próprio Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil que têm muita importância lá fora, só não têm aqui, pois são criminalizados pela imprensa.

Existem movimentos jovens, como o Creative Commons, no Brasil, e grupos se criando a partir da Internet. Naomi acha que, talvez, vá demorar um tempo, mas já podemos ver que há formas de resistências sendo montadas, há grupos interessados em reagir contra essa situação, mas, para saber onde isso dará, teremos que esperar.

A Internet é uma das formas mais importantes de resistência e organização desses movimentos, tanto no plano local quanto no mundial, que pretendem interferir nos rumos da humanidade.

IHU On-Line – A partir dessa análise do livro de Naomi Klein, que cultura é gerada?

Vânia Cury – Acho que é uma forma de enfrentamento, e talvez uma das mais interessantes.

Este é um dos calcanhares de Aquiles do Estado atual de organização da economia, pois, até agora, apesar de todas as tentativas que estão sendo feitas, não se mostrou viável uma forma de controle dessas redes sociais que vão se formando na Internet.

Talvez esse seja um caminho interessante mesmo, não sei como isso irá evoluir, mas não tenho dúvida de que ele é um ponto de atrito e conflito para ordem dominante.

IHU On-Line – A senhora concorda com a ideia de que "se o clima fosse um banco, ele seria salvo"?

Vânia Cury – Acho que é bem provável, pois não há nenhum setor que tenha recebido mais apoio e cuidados no mundo hoje do que o setor financeiro.

Nunca falta dinheiro, nunca há entraves de tipo jurídico, todos sempre estão dispostos a acudir as finanças, coisas que não vemos acontecer com relação ao ambiente, ao clima e aos recursos naturais, dos quais a nossa vida depende diariamente.

Quando acontece algo com o sistema financeiro, todos ajudam. É como se pensassem: “Se isso falhar, estaremos mortos”. E se esse sistema falhar é pouco provável que toda a humanidade esteja morta.

Esse é o poder que o setor financeiro tem de tornar os seus interesses os mais importantes do mundo. Eles exercem esse poder de várias maneiras, inclusive pelas chantagens.

Através de ataques especulativos, eles podem jogar um país na miséria. Inclusive já fizeram isso, no passado, com a Argentina, Rússia, México, Ásia e tentaram fazer com o Brasil.

Eles prometem, cumprem, tiram todos os recursos de uma vez, fazem jogatina na bolsa, ameaçam com ataques especulativos, e colocam os governos em uma situação de muita fragilidade. Não se pode correr o risco de levar o país à bancarrota. Toda vez que se provoca esse risco, se coloca uma situação de miséria social e desagregação política muito graves.

IHU On-Line – A senhora acredita que um novo modelo econômico mais sustentável terminaria com essa ideia de “Capitalismo de desastre”?

Vânia Cury – Acredito que sim. Se esse modelo fosse implantado com mais responsabilidade, com maior controle da sociedade sobre a origem e destino do dinheiro, acho que estaríamos muito mais livres dessas situações tão incômodas que vêm se repetindo. Nas últimas décadas, isso vem se tornando repetitivo, toda hora há uma calamidade, uma catástrofe e isso é muito grave.

É uma sequência que começa a despertar nossa reflexão. Naomi Klein outros pensadores começam a desvendar as questões que surgem.

* Conheça o site do Instituto Humanitas/Unisinos

11.5.10

A crise grega e o futuro incerto do Euro


Por Marshall Auerback *

São legiões de analistas de mercados, gazeteiros e economistas que não se cansam de repetir o quanto é difícil para eles achar um padrão que situe os EUA numa posição financeira melhor que a da Grécia.

Ken Rogoff, por exemplo, advertiu recentemente de que uma quebra da Grécia traria consigo uma série de quebras soberanas; também recentemente se sugeriu no NPR [Blog Planet Money] que a crise teria implicações para os EUA.

O historiador Nial Ferguson fez observações de teor parecido no Financial Times há alguns meses. Os grunhidos dos falcões do déficit sobem de tom.

Arrependei-vos libertinos fiscais, que o dia do juízo final se aproxima!Deixemos de lado a histeria retórica bíblica, agora que ainda estamos em tempo de debater com racionalidade.

A resposta recente do mercado às pressões cada vez mais intensas na Zona do Euro sugerem que os investidores começam a distinguir entre países que são emissores soberanos de moeda, como os EUA e o Japão, e emissores não-soberanos, como a Grécia e qualquer outra nação na Zona do Euro.

O dólar se valoriza, apesar do déficit público dos EUA, enquanto o sofrimento que emana da dívida nos países PIIGS [Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha], sobretudo na Grécia, intensifica-se; isso traz consigo a queda do euro em relação ao dólar nos seus níveis mais baixos dos últimos 12 meses.

O comportamento distinto das diferentes moedas em relação ao dólar estadunidense se torna fartamente esclarecedor a esse respeito. No último trimestre, os dólares australianos, neozelandeses e canadenses registraram altas em torno de 4% em relação ao estadunidense.

E a maior queda? O euro, que no mesmo período registrou baixas pouco surpreendentes de 6,3%.

Conscientemente ou não, os mercados estão demonstrando que compreendem a diferença entre as nações que usam uma moeda (e que, pelo mesmo motivo, enfrentam uma restrição financeira externa) e as nações que não enfrentam qualquer restrição estrangeira nas suas políticas de gasto público, porque são nações criadoras de moedas. Que os EUA disponham de moeda reserva é irrelevante neste contexto.

A distinção-chave segue sendo a que separa o usuário do criador. As nações da Zona do Euro são usuárias; Canadá, Austrália, Reino Unido, Japão e EUA são criadoras de moeda.Erram aqueles que, como Rogoff e um sem número de comentaristas, empenham-se em buscar analogias entre os países PIIGS e os EUA e o Reino Unido.

A debilidade analítica desses críticos do déficit público decorre de sua incapacidade de distinguir entre o leque de políticas monetárias que se oferecem às nações criadoras de moeda, o leque que se oferece a nações monetariamente soberanas e aquele disponível às nações que não são soberanas monetariamente.

Qualquer governo soberano – e os da União Européia não desfrutam dessa condição – pode lidar financeiramente com um colapso na receita e um aumento de gastos, sem terminar no beco sem saída em que a Zona do Euro se encontra, agora.

Daí porque, por exemplo, o yen japonês não despenca em queda livre frente ao dólar, apesar da dívida pública japonesa representar 200% de seu PIB, quer dizer, numa razão que multiplica por 2,5 a da dívida pública estadunidense.

O certo é que nos últimos dias, até o yen tem se valorizado frente ao dólar. Por que será, se a lição que supostamente deveríamos aprender é a dos males dos gasto públicos deficitários, “insustentáveis”?

A sustentabilidade fiscal é irrelevante num sistema que não enfrenta restrições operativas à capacidade do Estado para gastar. Os cheques da Seguridade Social estadunidense não seriam devolvidos por falta de fundos.

Tampouco seus equivalentes canadenses ou japoneses. Analogamente, seus títulos da dívida pública sempre serão capazes de dar lucro.

Observe-se que isso não significa que não haja verdadeiras restrições de recursos em matéria de gasto público.

Diga-se assim: quem quer que promova o uso de políticas fiscais como ferramenta de contra-estabilização efetiva tem de saber sempre que essas intervenções têm um custo.

Esse custo bem que poderia ser a inflação se, como resultado da expansão fiscal se chegasse ao pleno emprego e se, mesmo que aumentassem as restrições de recursos o governo seguisse gastando.

Mas se a economia não se recupera, a receita fiscal aumentará e o gasto líquido na rede de seguridade social e bem estar cairá.

Nos EUA, isso significa que voltaremos provavelmente à “normalidade”, com déficits em torno de 2-4%, segundo o estado da economia, que são níveis que temos tido nos últimos 30 anos, fora o período de 1998-2001.

Por que esses déficits não resultariam inflacionários? Como o professor Scott Fullwiler observou numa troca de emails comigo há pouco, uma vez que a marcha de recuperação esteja em alta, e que a economia recobre uma capacidade significativamente maior de utilização – no que poderiam parecer pressões para uma alta de preços -, o déficit baixará substancialmente.

Também será parcialmente diminuído por uma queda discreta no gasto com bem estar social. É paradigmático que, quanto mais rapidamente cresce a economia, tanto menor é o déficit, a menos que o governo siga gastando irresponsavelmente, coisa pela qual, deve-se dizer, não advogamos.

E, chegando ao ponto em que poderíamos chegar a ter inflação, o déficit terá retornado aos níveis de 2,3%, que é, como se disse, o que temos tido nos últimos 30 anos, período em que a inflação girou em torno de 2%.

Observe-se: inflação não equivale a quebra. Vocês e eu poderíamos comprar credit default swaps, quer dizer, permutas de inadimplência creditícia, de qualquer país do mundo, mas seríamos incapazes de recolher os lucros dessa compra sem que quaisquer dos países em questão registre uma taxa positiva de inflação – inclusive uma taxa de inflação de dois dígitos -, porque inflação e quebra não são equivalentes.

Tampouco as agências de classificação de risco categorizariam dessa maneira a quebra. A quebra se define como incapacidade para levar a cabo uma tarefa ou de honrar uma obrigação, particularmente uma obrigação financeira.

A inflação não se incorpora na definição, quando se trata de insolvência nacional.Em troca, a idéia de uma quebra grega prevalece nos mercados, e se torna por consequência uma preocupação razoável no contexto da Zona do Euro.

A opção da quebra se considera pouco menos que inevitável, ainda que se ponha em curso um resgate massivo de 110 bilhões de euros que, destinado a provocar “assombro e temeridade” entre os investidores, tenha se limitado só a assombrar.

Se resgatar a Grécia custa 110 bilhões de euros, quanto custará resgatar a Espanha, a Itália ou a França?Se os mercados se preocupam com a capacidade de solvência de um país, não lhe oferecerão créditos.

E esse é o problema que todos os países da Zona do Euro enfrentam. Grécia, Portugal, Itália, França e Alemanha são todas nações usuárias das emissões de euros. A esse respeito, assemelham-se a uma municipalidade dos EUA, que são usuários do dólar emitido pelo governo federal do país.Os déficits, por si mesmos, não fornecem as bases de uma quebra dos EUA.

Se os EUA segue incorrendo em déficits exportadores líquidos (o que é o mais provável, dado o curso da queda do valor do euro), e se o setor interno privado tem poupança líquida, o governo dos EUA terá de fazer gasto líquido, quer dizer, incorrer em déficits.

E isso é uma equação contábil elementar: nada mais nem nada menos. Se, nessas circunstâncias, o governo dos EUA consegue obter dividendos, o que conseguirá, de imediato, será forçar o setor privado nacional a incorrer em déficits (e a aumentar sua dívida), e terminará fracassando, porque o que o setor privado fará será tratar de aumentar mais uma vez sua taxa de poupança.

A mesma lógica vale para a Grécia. Supõe-se que o pacote de ajude do FMI e da UE é para reduzir seu déficit orçamentário, dos atuais 13,6% do PIB para 8,1% em 2011.

Como o conseguirão? Buscar uma redução de déficit mediante programas de austeridade (ou de congelamentos, ou de como se quiser chamar) em um momento em que o gasto privado já é insuficiente para manter um crescimento adequado do PIB é a receita mais segura para o desastre, o que provocará é um aumento do déficit.

Considere-se nesse contexto o caso da Irlanda como amostra. A Irlanda começou a cortar o gasto deficitário já em 2008, quando teve início sua crise bancária e seu déficit orçamentário representava 7,3% do PIB.

Não tardou para a economia se contrair em 10% e, oh, que surpresa!, seu déficit disparou para 14,3%.

Podemos estar certos de que a Grécia aguarda um destino similar, dada a incapacidade da União Européia para compreender ou ainda categorizar os balanços financeiros básicos e as interrelações fundamentais entre os vários setores da economia.

Nenhum governo, tampouco o FMI pode prever com segurança qual será o resultado; ao final, o que determinará o resultado serão as preferências privadas de poupança, como Bill Mitchell observou repetidas vezes.

Por que há déficits orçamentários enormes em todo planeta? Não é porque, de repente, todos os funcionários do mundo tenham se convertido em burocratas de estilo soviético.

É, e muito, porque uma economia global em declínio levou à diminuição de renda (menos renda = menos impostos arrecadados, visto que o grosso da arrecadação se baseia na renda, e menos módulos fiscais) e a um gasto público maior na rede de seguridade social.

O cúmulo da ignorância econômica é propor a destruição dessa rede de seguridade social a partir de uma extrapolação das lições equivocadas proporcionadas pelos problemas particularíssimos em que a própria Zona do Euro se meteu.

Essa ignorância, porém, reflete também uma agenda política transparente que os EUA fariam muito mal em abraçar.

Os pacotes de resgate, a intervenção do FMI e todo esse papo fiado sobre as “quebras ordenadas” dos PIIGS [Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, em sua sigla em espanhol] não podem esconder o erro fundamental no desenho da União Monetária Européia.

Deixemos que o neoliberalismo morra com o euro.

* Marshall Auerbak é analista econômico dos EUA e membro conselheiro do Instituto Franklin e Eleanor Roosevelt, onde colabora com o projeto de política econômica alternativa new deal 2.0

Tradução: Katarina Peixoto
Carta Maior

Ações nos bastidores


Por Silvio Caccia Bava *

Estamos entrando em um período de grandes mudanças. E são sinais dos tempos ouvir que o Fundo Monetário Internacional quer regular e taxar a circulação internacional dos capitais.

Mesmo os grandes bancos privados começam a se dar conta, porque vários quebraram, que deixados à sua sina caminham para uma disputa alucinada e para a própria destruição.

Por outro lado, avaliações do impacto da crise nos diferentes países ressaltaram o importantíssimo papel que tiveram os bancos públicos, com uma ação coordenada, para enfrentar esse cenário adverso.

Países como a Índia, que nacionalizou seus bancos, ou o Brasil, que tem quase metade do seu sistema financeiro público, sofreram menos por disporem desses recursos públicos e da capacidade de gestão para mobilizá-los na crise.

Abre-se, assim, um debate represado há muitos anos, que hoje conta com uma maior audiência: o do controle público sobre o sistema financeiro nacional e internacional e as transações financeiras internacionais.

Dito de outra forma, mais abrangente: a crise abriu a possibilidade de se instituir novos controles democráticos sobre a economia.

No auge da crise foram eles, os principais agentes financeiros privados, que desenharam o pacote de ajuda do governo estadunidense a si próprios.

E aceitaram, pelo impacto social enorme de suas próprias ações, pelos efeitos sociais perversos da crise, pelas questões de governabilidade, debater um novo pacto de regulação do sistema financeiro, incluindo um maior controle sobre os paraísos fiscais.

As últimas estimativas são de que, globalmente, foram destinados mais de US$ 13 trilhões de recursos públicos para salvar as grandes corporações privadas.

Nunca havia se visto tanta riqueza mobilizada do dia para a noite.

Como essas grandes corporações foram capazes de impulsionar, com tamanha rapidez, tantos recursos públicos no seu interesse privado?

John Dewey, um dos mais proeminentes filósofos americanos do séc. XX, concluía que a política em nossos países é definida, nos bastidores, pelas grandes corporações, e que vai continuar sendo assim enquanto o poder residir nos negócios orientados para o lucro, através do controle privado dos bancos, da terra, da indústria, reforçado pelo comando da imprensa, dos jornalistas e de outros meios de publicidade e propaganda.**

O neoliberalismo dos anos 90 fez mais. Construiu todo o arcabouço legal e institucional para que a política não tocasse na economia, não tocasse nos interesses “do mercado”.

Políticas como a de um Banco Central independente são expressão dessa engenharia institucional.

No Brasil, dinheiro e poder continuam associados, mas temos tido avanços nas dimensões republicana e democrática das ações do poder público.

Há uma ação mais efetiva do sistema judiciário e da Polícia Federal no combate à corrupção na política, que acabou por afastar governadores, executivos e parlamentares dos cargos, acusados de uso privado do dinheiro público, de captação ilícita de recursos para campanhas eleitorais, de favorecimentos a empresas em licitações para obras e serviços públicos.

Mas, apesar desses avanços, não se tem notícia da penalização das empresas envolvidas – supostamente, os agentes corruptores.

Há também várias iniciativas da sociedade civil, que vão desde a defesa de uma reforma política até o projeto de lei que impede a candidatura de pessoas condenadas pela Justiça, batizado de Ficha Limpa, apresentado ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular, respaldado por 1,5 milhão de assinaturas.

A abordagem mais comum para tratar do tema dos abusos do poder econômico na arena da política acaba por acusar a natureza humana – e os políticos de maneira geral – por se deixar seduzir pelo dinheiro.

Esquecem do que Dewey aponta como “as ações nos bastidores”, que são constitutivas mesmo do modo de fazer política das grandes corporações.

Pois o que está em questão agora é justamente a possibilidade de um novo desenho institucional, da realização de um novo pacto, no qual, em nome do interesse de todos, os atores econômicos passam a atuar nos marcos de um planejamento público e um controle democrático.

Serão novos paradigmas de produção e consumo, serão novas formas de exercício da democracia e do controle social incidindo sobre os poderes públicos e os atores econômicos.

Ainda que as lutas sociais tenham ampliado, ao longo do tempo, o
que hoje entendemos por democracia, o reconhecimento de direitos e a extensão de políticas sociais, na dimensão propriamente política parece não ter havido grandes avanços.

A pergunta continua sendo como garantir que a democracia controle a economia – e não o contrário.

Para que essa política dos bastidores e a corrupção na política possam ser superadas, as regras do jogo precisam mudar.

O financiamento das campanhas eleitorais está no centro desse debate. E se adotássemos, por exemplo, as regras de financiamento de campanhas eleitorais de Quebec, no Canadá, onde todos os candidatos têm um teto para a arrecadação de contribuições?

Ou o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, proibindo as contribuições do setor privado?

O tema central do pacto pode ser o de tirar a política dos bastidores e trazê-la para o centro do espaço público, apaziguar a sociedade brasileira, promover a redução da enorme desigualdade social, a redução da violência em nossa sociedade e garantir a extensão das políticas públicas de qualidade por todo o território.

* Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

** Citado por Noam Chomsky à pág. 206 em Failed States, Metropolitan Books, NY, 2006. .

http://pagina-um.blogspot.com/
9 de maio 2010

9.5.10

Os Dez Mandamentos, revistos e atualizados


Considerando que a obediência à versão original dos Dez Mandamentos foi apenas aleatória, desta vez o Altíssimo teve a prudência de acrescentar a cada um deles uma nota de explicação, destinada em particular aos impenitentes

por Ladislau Dowbor

O presente artigo faz parte da
plataforma de discussão
Crises e Oportunidades.
Participam dele Ignacy Sachs,
Carlos Lopes,
Ladislau Dowbor e
dezenas de outros pesquisadores.

I – Não Comprarás o Estado

Resgatar a dimensão pública do Estado: Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se é o dinheiro das corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que avaliam risco são pagas por quem cria o risco?

Uma das propostas mais evidentes da última crise financeira, e que encontramos mencionada em quase todo o espectro político, é a necessidade de reduzir a capacidade das corporações privadas de ditarem as regras do jogo.

A quantidade de leis aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transações financeiras, reduzir a regulação do Banco Central e autorizar os bancos a fazer toda e qualquer operação, somada com o poder dos lobbies financeiros, torna evidente a necessidade de resgatar o poder regulador do Estado; para isso, os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas jurídicas que constituem ficções em termos de direitos humanos.

Enquanto não tivermos financiamento público das campanhas e políticos que representem os interesses dos cidadãos, prevalecerão os interesses econômicos de curto prazo e a corrupção.

II – Não Farás Contas Erradas

As contas têm de refletir os objetivos que visamos. O PIB (Produto Interno Bruto) indica a intensidade do uso do aparelho produtivo, mas não indica a utilidade do que se produz, para quem, e com que custos para o estoque de bens naturais de que o planeta dispõe.

Conta como aumento do PIB um desastre ambiental, o aumento de doenças, o cerceamento de acesso a bens livres.

O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) já foi um imenso avanço, mas temos de evoluir para uma contabilidade integrada dos resultados efetivos dos nossos esforços, e particularmente da alocação de recursos financeiros em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável.

As metodologias existem, aplicadas parcialmente em diversos países, setores ou pesquisas. A adoção, em todas as cidades, de indicadores locais de qualidade de vida tornou-se hoje indispensável para medir o que efetivamente interessa: o desenvolvimento sustentável, o resultado em termos de qualidade de vida da população. Muito mais que o output, trata-se de medir o outcome.

III – Não Reduzirás o Próximo à Miséria

Algumas coisas não podem faltar a ninguém. A pobreza crítica é o drama maior, tanto pelo sofrimento que causa em si, como pela articulação com os dramas ambientais, o não acesso ao conhecimento, a deformação do perfil de produção que se desinteressa das necessidades dos que não têm capacidade aquisitiva.

A ONU calculou, no ano 2000, que custaria US$ 300 bilhões tirar da miséria um bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia.

São custos ridículos quando se considera os trilhões transferidos para grupos econômicos no quadro da última crise financeira.

O benefício ético é imenso, pois é inaceitável a morte de 10 milhões de crianças por ano, devido a causas ridículas.

O benefício de curto e médio prazo é grande, na medida em que os recursos direcionados à base da pirâmide dinamizam imediatamente a micro e pequena produção, agindo como processo anticíclico, como se tem constatado nas políticas sociais de muitos países.

No mais longo prazo, será uma geração de crianças que terá sido alimentada decentemente, o que se transforma em melhor aproveitamento escolar e maior produtividade na vida adulta.

A teoria, tão popular, de que o pobre se acomoda se receber ajuda, é simplesmente desmentida pelos fatos: sair da miséria estimula, e o dinheiro é mais útil simplesmente onde é mais necessário.

IV – Não Privarás Ninguém do Direito de Ganhar o seu Pão

Universalizar a garantia do emprego é viável. Toda pessoa que queira ganhar o pão da sua família deve poder ter acesso ao trabalho. Num planeta onde há um mundo de coisas a fazer, inclusive para resgatar o meio ambiente, é absurdo o número de pessoas sem acesso a formas organizadas de produzir e gerar renda.

Temos os recursos e os conhecimentos técnicos e organizacionais para assegurar, em cada vila ou cidade, acesso a um trabalho decente e socialmente útil. As experiências de Maharashtra, na Índia, demonstraram a sua viabilidade, assim como as numerosas experiências brasileiras, sem falar no New Deal da crise dos anos 1930.

São opções onde todos ganham: o município melhora o saneamento básico, a moradia, a manutenção urbana, a policultura alimentar. As famílias passam a viver decentemente; e a sociedade passa a ser melhor estruturada e menos tensionada. Os gastos com seguro desemprego se reduzem.

No caso indiano, cada vila ou cidade é obrigada a ter um cadastro de iniciativas intensivas em mão de obra. Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento, melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno. E argumento fundamental: assegura que todos tenham o seu lugar para participar na construção de um desenvolvimento sustentável.

Na organização econômica, além do resultado produtivo, é essencial pensar no processo estruturador ou desestruturador gerado. A dimensão de geração de emprego de todas as iniciativas econômicas tem de se tornar central.

V – Não Trabalharás mais de 40 Horas

Podemos trabalhar menos, e trabalharemos todos, com tempo para fazer coisas mais interessantes na vida. A subutilização da força de trabalho é um problema planetário, ainda que desigual na sua gravidade.

No Brasil, o setor informal situa-se na ordem de 50% da PEA (População Economicamente Ativa). Uma imensa parte da nação “se vira” para sobreviver. No lado dos empregos de ponta, as pessoas não vivem, por excesso de carga de trabalho.

Não se trata aqui de uma exigência de luxo: são incontáveis os suicídios nas empresas onde a corrida pela eficiência se tornou simplesmente desumana.

O estresse profissional está se tornando uma doença planetária, e a questão da qualidade de vida no trabalho passa a ocupar um espaço central. A redistribuição social da carga de trabalho torna-se hoje uma necessidade.

As resistências são compreensíveis, mas a realidade é que, com os avanços da tecnologia, os processos produtivos tornam-se cada vez menos intensivos em mão de obra, e reduzir a jornada é uma questão de tempo.

A redução da jornada não reduzirá o bem-estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida.

VI – Não Organizarás a tua Vida em Função do Dinheiro

A mudança de comportamento, de estilo de vida, não constitui um sacrifício, e sim o resgate do bom senso. Neste planeta de 7 bilhões de habitantes, com um aumento anual da ordem de 75 milhões, toda política envolve também uma mudança de comportamento individual e da cultura do consumo.

O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais.

Hoje, 95% dos domicílios no Brasil têm televisão, e o uso informativo inteligente deste e de outros meios de comunicação tornou-se fundamental. Frente aos esforços necessários para reequilibrar o planeta, não basta reduzir o martelamento publicitário que apela para o consumismo desenfreado; é preciso generalizar as dimensões informativas dos meios de comunicação.

A mídia científica praticamente desapareceu, os noticiários navegam no atrativo da criminalidade, quando precisamos vitalmente de uma população informada sobre os desafios reais que enfrentamos.

Grande parte da mudança do comportamento individual depende de ações públicas: as pessoas não deixarão o carro em casa (ou deixarão de tê-lo) se não houver transporte público; não farão reciclagem se não houver sistemas adequados de coleta. Precisamos de uma política pública de mudança do comportamento individual.

VII – Não Ganharás Dinheiro com o Dinheiro dos Outros

Racionalizar os sistemas de intermediação financeira é viável. A alocação final dos recursos financeiros deixou de ser organizada em função dos usos finais de estímulo e orientação de atividades econômicas e sociais, para obedecer às finalidades dos próprios intermediários financeiros.

A atividade de crédito é sempre uma atividade pública, seja no quadro das instituições públicas, seja no quadro dos bancos privados que trabalham com dinheiro do público, e que para tanto precisam de uma carta patente que os autoriza a ganhar dinheiro com dinheiro dos outros.

A recente crise financeira de 2008 demonstrou com clareza o caos que gera a ausência de mecanismos confiáveis de regulação no setor. O dinheiro não é mais produtivo onde rende mais para o intermediário: devemos buscar a produtividade sistêmica de um recurso que é público.

A intermediação financeira é um meio, não um fim. A intermediação especulativa – diferentemente da intermediação de compras e vendas entre produtores e utilizadores finais – apenas gera uma pirâmide especulativa e insegurança, além de desorganizar os mercados e as políticas econômicas.

VIII – Não Tributarás as Ações que mais nos Ajudam

A filosofia do imposto, de quem se cobra e a quem se aloca, precisa ser revista. Uma política tributária equilibrada na cobrança e reorientada na aplicação dos recursos constitui um dos instrumentos fundamentais de que dispomos, sobretudo porque pode ser promovida por mecanismos democráticos.

O eixo central não está na redução dos impostos, e sim na cobrança socialmente mais justa e na alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais.

A taxação das transações especulativas (nacionais ou internacionais) deverá gerar fundos para financiar uma série de políticas essenciais para o reequilíbrio social e ambiental.

O imposto sobre grandes fortunas é hoje essencial para reduzir o poder político das dinastias econômicas (10% das famílias do planeta são donas de 90% do patrimônio familiar acumulado no planeta).

O imposto sobre heranças é fundamental para dar chance a partilhas mais equilibradas para as sucessivas gerações.

É importante lembrar que as grandes fortunas do planeta, em geral, estão vinculadas não a um acréscimo de capacidades produtivas, e sim à aquisição maior de empresas por um só grupo, gerando uma pirâmide cada vez mais instável e menos governável de propriedades cruzadas, impérios onde a grande luta é pelo controle do poder.

O sistema tributário tem de ser reformulado no sentido anticíclico, privilegiando atividades produtivas e penalizando as especulativas: no sentido de maior equilíbrio social, ao ser fortemente progressivo; e no sentido de proteção ambiental, ao taxar emissões tóxicas ou geradoras de mudança climática, bem como o uso de recursos naturais não renováveis.

O poder redistributivo do Estado é grande, tanto pelas políticas que executa – por exemplo, as políticas de saúde, lazer, saneamento e outras infraestruturas sociais que melhoram o nível de consumo coletivo – como pelas que pode fomentar, como opções energéticas, inclusão digital e assim por diante.

A democratização aqui é fundamental. A apropriação dos mecanismos decisórios sobre a alocação de recursos públicos está no centro dos processos de corrupção, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.

IX – Não Privarás o Próximo do Direito ao Conhecimento

Travar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis não faz o mínimo sentido. A participação efetiva das populações nos processos de desenvolvimento sustentável envolve um denso sistema de acesso público e gratuito à informação necessária.

A conectividade planetária que as novas tecnologias permitem constitui uma ampla via de acesso direto. O custo/benefício da inclusão digital generalizada é simplesmente imbatível, pois é um programa que desonera as instâncias administrativas superiores, na medida em que as comunidades com acesso à informação se tornam sujeitos do seu próprio desenvolvimento.

A rapidez da apropriação desse tipo de tecnologia, até nas regiões mais pobres, se constata na propagação do celular e das lan houses mais modestas. O impacto produtivo é imenso para os pequenos produtores, que passam a ter acesso direto a diversos mercados, tanto de insumos como de venda, escapando aos diversos sistemas de atravessadores comerciais e financeiros.

A inclusão digital generalizada é um destravador potente do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável. A criação de redes de núcleos de fomento tecnológico on-line, com ampla capilaridade, pode se inspirar na experiência da Índia, onde foram criados núcleos em praticamente todas as vilas do país.

O World Economic and Social Survey 2009 é particularmente eloquente ao defender a flexibilização de patentes no sentido de assegurar ao conjunto da população mundial o acesso às informações indispensáveis para as mudanças tecnológicas exigidas por um desenvolvimento sustentável.

X – Não Controlarás a Palavra do Próximo

Democratizar a comunicação tornou-se essencial. A comunicação é uma das áreas que mais explodiu em termos de peso relativo nas transformações da sociedade. Estamos permanentemente cercados de mensagens.

As nossas crianças passam horas submetidas a publicidade ostensiva ou disfarçada.

A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração internacional e nacional – e a crescente interação entre os dois níveis – gerou uma máquina de fabricar estilos de vida, um consumismo obsessivo que reforça o elitismo, as desigualdades, o desperdício de recursos, como símbolo de sucesso.

O espectro eletromagnético em que estas mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação inteligente e gratuita para todo o planeta é simplesmente viável.

Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia, que surgem por toda parte, há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais.

Sendo o Secretariado do Altíssimo, hoje, bem equipado, os que por acaso tenham dificuldades técnicas poderão se instruir com outros Assessores, em linha direta sob
http://www.criseoportunidade.wordpress.com/.

Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor expressaram aqui opiniões pessoais, e reclamações deverão se dirigir a instâncias superiores.

* Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia econômica - um passeio pelas teorias
http://dowbor.org/