16.3.10

Financeirização do noticiário


Nos cadernos de economia da grande imprensa, é possível verificar um amplo domínio de temas relacionados ao mercado financeiro.
A constatação é da jornalista Paula Puliti, que analisou, em sua pesquisa de doutorado, os jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo no período de 1989 a 2002. Comportamento do mercado de ações, medidas do Banco Central, reformas tributárias, contas públicas e rigidez fiscal foram alguns dos assuntos mais enfatizados nos jornais.

Tal aspecto no jornalismo econômico foi chamado pela pesquisadora de “financeirização do noticiário”.

A pesquisa fez parte de sua tese de doutorado, orientada pelo professor Bernardo Kucinski e defendida em novembro de 2009 na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP.

Paula afirma que essa financeirização começou a ficar evidente já em 1990, quando os profissionais do mercado financeiro passaram a ser as principais fontes nos cadernos de economia. Entre eles, estão: operador de mercado de ações, banqueiros, economistas de bancos, FMI e Banco Mundial. Fontes do mercado financeiro predominaram em 73,25% das 2340 notícias lidas

Complementar a esse fato, a pesquisa mostrou que esses profissionais, a partir de 1992, deixaram de aparecer exclusivamente em matérias sobre investimentos e passaram a influenciar nas ações do governo, conquistando espaço na opinião de temas de política econômica.

Dez anos depois, no primeiro semestre de 2002, segundo a pesquisa, eles já representavam 52,2% das fontes consultadas pela Folha e o Estadão.
A jornalista destaca que o próprio contexto da época propiciou isso, com o Consenso de Washington – conjunto de medidas econômicas formuladas em 1989, em Washington, famosa por introduzir o receituário neoliberal do FMI – e com a adoção de um modelo econômico neoliberal por parte do governo brasileiro.

Devido aos jornais reservarem espaço privilegiado ao governo, eles acabam absorvendo a visão econômica deste, como explica Paula: “Se você considerar matérias do alto de página, onde estão as principais matérias dos jornais, quem são as principais fontes? O governo. Você tem o governo trazendo para o noticiário os temas de interesse dos bancos”.

Capacitação
A pesquisa mostra que outro fator que influenciou a financeirização dos jornais é o esforço que o mercado financeiro fez para expandir sua influência nos meios de comunicação. “O mercado financeiro se capacitou comunicacionalmente para ser enxergado pelos jornalistas como a grande voz em termos do que é bom para a economia do País”, diz Paula.

Os bancos se capacitaram investindo em assessoria de imprensa e em media training – treinamento dado em empresas para saber como se comunicar com os órgãos de imprensa –e enviando freqüentemente relatórios aos jornalistas.

Paula lembra que, com a redemocratização no País, após 1989, os bancos buscam “ganhar destaque na sociedade”, diz a jornalista. Uma das formas mais eficaz para atingir essa meta foi com os bancos levando seu papel e seu ponto de vista à imprensa.

Paula recorda que na década de 1980 a grande imprensa ainda dava considerável destaque às indústrias e, ainda que em menor grau, aos sindicalistas. Essas e outras vozes foram sobrepostas pelo mercado financeiro na década de 1990.

Na opinião da jornalista, isso causou somente prejuízos para o jornalismo econômico. “Com a financeirização do noticiário, não vejo nada de positivo em um jornalismo que se vende a uma idéia”, justifica Paula. E completa:

“A imprensa tem papel democrático a exercer no mundo. Esse papel democrático implica, entre outras coisas, dar vozes a diferentes autores sociais. Se você tem um jornalismo financeirizado, quer dizer, se você tem apenas um grupo falando em nome de toda a sociedade, você foge desse caráter democrático”.

Pesquisa

Paula analisou, respectivamente, 1340 e 1000 notícias dos cadernos de economia do Estadão e da Folha. As notícias, que são do período de 1989 a 2002, não foram lidas de modo a comparar o conteúdo de cada jornal, mas somente para quantificar a presença das fontes e temas relacionados ao mercado financeiro.

Da amostra de 2340 notícias, em 73,25% predominavam fontes do setor financeiro.
Além disso, a jornalista complementou seu trabalho com 10 entrevistas, que incluem economistas do mercado financeiro, jornalistas de redação, acadêmicos e banqueiros. As entrevistas serviram para estabelecer a relação entre os dados obtidos e o comportamento das organizações.

Por Felipe Maeda Camargo
pulitipaula@hotmail.com

Copy e edição - Flavio Deckes

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